Sexta-feira, dia 28 de novembro de 2014, faleceu Roberto Gomes Bolaños, roteirista e criador de Chaves. Para mim, um dos maiores gênios do humor de nossos tempos. Com tiradas cômicas totalmente inofensivas, produzindo um humor inocente, com trocadilhos, com bordões, o seriado Chaves me encantou e até hoje me encanta e me faz rir.

Sabe, a gente compara, por exemplo, com o humor de programas como o Zorra Total, que de engraçado não tem nada, e mesmo vídeos como os do Porta dos Fundos, e percebe a diferença. O humor de Chaves, que estourava a audiência no México e mesmo no Brasil, é aquele humor atemporal, não está preso a determinadas circunstâncias e fatos, não é apelativo nem grosseiro. Bolaños, numa entrevista, disse que procurava respeitar bastante o seu público, principalmente as crianças, e elogiou bastante o Brasil, dizendo que a razão de Chaves ter feito tanto sucesso no Brasil, e por tanto tempo, é que o público brasileiro é inteligente, e gosta de coisas inteligentes.

Sempre acreditei nisso, que o público gosta e quer coisas de qualidade, mas a indústria cultural não se importa tanto com isto. Querem audiência e, se ela existir, isto é por si só uma prova de que o programa é de qualidade.

Só para provar o que estou dizendo, veja alguns trechos de humor, que retirei de um episódio chamado “O Despejo do Seu Madruga”:

– Existem homens que nascem sem Barriga, senhor sorte. Digo…

Chiquinha bate com um pedaço de pau no Seu Barriga, ele cai.

– Por que você fez isso? – pergunta Chaves.

– Para que ele pare com essa mania de botar as pessoas para fora de suas casas.

– Espero que ele não pare com a mania de respirar. Ele parece estar morto. Talvez não esteja de todo morto, mas um pouquinho morto, ele está.

– Eu só queria ver fotos de quando o senhor era criança, seu Madruga.

– Ah, Quico, não seja burro – diz Chaves. – Naquela época não havia máquina fotográfica.

– É mesmo? – diz seu Madruga – E quantos anos você acha que eu tenho?

– Todos – diz Chaves.

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Chaves, Chiquinha e Quico, olhando as fotos antigas de Seu Madruga, quando ele era lutador de boxe.

– Sr. Madruga, o senhor foi lutador de boxe, é?

– Sim, Chaves. Eu fui campeão dos bairros no ano de mil novecentos e não interessa.

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Para além do humor, Chaves apresentava detalhes muito curiosos, dignos de nota. Por exemplo, a apresentação de diversos arranjos familiares. Temos ali uma mãe viúva que cuida de seu filho (e que busca um novo romance com o professor de seu filho – em plena década de 70, veja bem!); um pai viúvo que cuida de sua filha desde o nascimento, fazendo as vezes de uma mãe; uma velha que mora sozinha e não se intimida na busca por um par…

Em termos de classes sociais, Bolaños colocou como o personagem principal o menino miserável, sempre com muita fome e sem um lugar para morar. Este fato, por si só, já é digno de nota. Há o retrato também da pobreza com seu Madruga, que possui diversos aluguéis atrasados e dificilmente arranja um emprego (talvez, em boa medida, por sua própria preguiça); o retrato da classe pobre em ascensão, representada tão bem pela senhora de bobes no cabelo que já não quer ser gentalha (mas que mora na mesma vila pobre); o retrato do rico dono de imóveis, mas de bom coração…

Em relação ao relacionamento entre crianças, há o ingênuo, retratado pelo Chaves (aí zás, e zás…); a esperteza, pela menina Chiquinha, que é muito pouco feminina e com grande inteligência prática (também, pudera, educada e cuidada por uma figura masculina); o menino mimado e chorão Quico que sempre gosta de tirar vantagens por ter coisas mais caras, mas por ser o mais novo, é quem mais apanha… E sua figura não deixa também de ser encantadora. Ou seja, há ali diversidade estampada, cada um com sua particularidade, sua tristeza (não ter pai… não ter mãe… não ter ambos…), e uma amizade que sabe, ainda que, muitas vezes, aos “trancos e barrancos”, superar as diferenças, sejam elas de condição econômica, de personalidade, ou mesmo de idade: Quico é mais criança mas ainda sim é incluído nas brincadeiras, o que, convenhamos, não é algo fácil de se ver, entre nossas crianças.

A mensagem é rica, mesmo para nós, adultos. Há uma mensagem ali, de consciência comunitária, que é muito propícia até os dias atuais, em que os projetos individualistas tomam conta de todos nós. Na vila, apesar das diferenças, eles se ajudavam – e mesmo a Dona Florinda, que detesta o Seu Madruga, por exemplo, o ajudou muitas vezes ao longo da série.

Posso estar sendo romântico, mas penso que essa vizinhança é o retrato de nosso povo latino-americano, que tem seus sofrimentos, mas que sabe vencer tudo, por conta de seus bons sentimentos e de sua união.

E por isto, creio que perdemos mais um dos nossos grandes.


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